Em Março de 2008 fui submetido a uma cirurgia laparoscópica a um quisto do úraco. A cirurgia em si consiste em 3 pequenos furos na zona abdominal por onde passa uma câmara e é injectado ar. A operação é realizada através de pequenas pinças que passam pelos orifícios. Trata-se de uma intervenção muito mais segura do que as tradicionais cirurgias abertas, mesmo assim este facto não deixa de preocupar alguém que toque um instrumento de sopro e saiba que depende da zona abdominal para tocar. Decidi anotar todo o processo evolutivo tendo em conta o meu instrumento.
No próprio dia da operação, após recuperar os sentidos, nem sequer buzzing consegui fazer, até o simples acto de falar custava. Mesmo para fazer buzzing é necessária alguma pressão diafragmática.
No primeiro dia após a operação ainda me sentia pouco dorido, mas já consegui fazer buzzing. Era difícil fazer qualquer movimento em que tivesse que dobrar a zona abdominal. Ainda sentia alguma dor suportável com analgésicos
Dia 2, o dia “D” peguei na trompa. Inicialmente os lábios não vibraram à primeira tentativa, mas rápido ficou normal. Com facilidade toquei um Fá3 descendo até Ré1 em dinâmicas entre piano e Forte, ou seja notas em que não é necessária grande pressão de ar, mas sim baixa pressão. Esta foi a minha maior admiração abaixo de fá3 estava tudo bem, nem parecia que tinha sido operado. Senti que não conseguia inspirar por completo, parecia que faltava algum ar o que é compreensível uma vez que o abdómen ainda estava bastante inchado. Prossegui para o registo agudo, mas ou não saia notas com o suporte de ar adequado ou tinha que forçar. Sem forçar, estudei abaixo do Fá3 num bom meio forte e passados 10 minutos comecei a sentir-me cansado.
Ao 4º dia a vibração já não apresentava qualquer problema. Desta vez consegui tocar no registo Dó1-Lab3. acima de Láb3 consegui tocar, mas com um som pobre. Senti que ainda não conseguia inspirar por completo mas pelo menos estava melhor do que o dia anterior. Estudei durante 15 minutos, sem dor na embocadura ou no abdómen, mas sim nas costas, uma vez que estava com as costas ligeiramente inclinadas. Aproveitei para estudar algumas escalas em staccato simples e duplo no registo médio e grave. Também aqui pude sentir realmente o que um a má posição pode fazer às costas. Como não podia esticar a zona abdominal. Andava sempre ligeiramente inclinado, o que fez com que me começassem a doer as costas.
Cinco dias depois da operação não consegui tocar, uma vez que me doíam bastante as costas e no dia seguinte toquei apenas 10 minutos uma vez que as dores ainda persistiam.
Ao sétimo dia estudei 20 + 55 minutos desta vez até Fá4. Com o passar do tempo alguma dor abdominal, mas já consegui inspirar maior quantidade de ar.
Oito dias depois da operação estudei um pouco de manhã, e senti-me bem a tocar, mas com algumas “picadas” nas da suturas. Pela tarde fui tirar os agrafos. Durante 2 dias não toquei uma nota sequer com medo de abrir as feridas, uma vez que agora já não tinham agrafos.
Dez dias depois da operação recomecei o estudo, sentia-me bem apenas com a sensação de cansaço.
Entretanto passou já um mês e 10 dias e estou a redigir o balanço desta experiência. Acima de tudo acho que foi bastante positiva, talvez pelo facto de me ter mantido ocupado e de não ter desesperado com a situação. Para alguém que toca um instrumento o pensamento de ter que parar de tocar é assustador, pois surgem perguntas e mais perguntas e instala-se o desânimo.
Dois aspectos positivos desta intervenção é que pude verificar a partir de que registo e que começo a utilizar verdadeiramente os músculos abdominais e constatar o que uma má posição de costas pode fazer.
Este foi o meu processo evolutivo, mas depende certamente da forma como decorrer a intervenção cirúrgica. O meu conselho para alguém que tenha que se submeter a alguma cirurgia é que pensem em algo para se sentirem motivados e tudo passará mais rápido. Espero que a minha experiência possa ajudar outros que passem pela mesma situação.
Ricardo Matosinhos
(Abril 2008)