dedicado ao flautista Luís Meireles
O Ciclo da Vida
para flauta solo (picc(opt.fl)/fl/afl/cbfl(opt.bfl)
Publicado em Setembro de 2016 pelo Centro de Investigação e Informação da Música Portuguesa
Estreada por Luís Meireles a 6 de Fevereiro de 2016, no Conservatório de Música do Porto, integrado no Festival "Carnaval em Flauta"
Ao longo da história, o homem sempre se questionou sobre o seu papel neste mundo e o que existe para além da morte. As diferentes religiões tentam dar um sentido à morte e esta temática foi abordada nas diferentes artes sem que, porém, alguém tenha chegado a uma ideia concreta do que acontece para além da morte. Mesmo sem uma verdade absoluta, considero que o facto de refletirmos sobre este aspeto nos enriquece, entendendo melhor o seu significado. Esta peça teve a sua origem em finais de Dezembro de 2015, logo após a morte da minha avó, Isaura Matosinhos. Pretendo com ela homenageá-la e simultaneamente fazer uma reflexão sobre a nossa breve passagem por este mundo, encarando-a com naturalidade para que possamos viver intensamente e partirmos em paz, assim que chegar a nossa vez. É feita nesta obra uma comparação com as quatro estações do ano e a forma como estas sintetizam as fases deste processo. Do ponto de vista musical, a obra foi pensada e escrita para múltiplas flautas, que com o seu tamanho simbolizam o crescimento humano.
Esta viagem começa com o Inverno da vida e com o desconhecimento do que está para além da morte, uma melodia triste e sussurrante no registo grave é abruptamente interrompida por notas repetidas simbolizando um bater de um coração. Um desesperante trilo de meio tom anuncia um final, o “coração” deixa, gradualmente, de bater e tudo termina com um último suspiro. De seguida um sopro, simbolizando o “sopro da vida” faz recomeçar tudo de novo com a Primavera, com um trilo de um tom que simboliza vida. A Infância é apresentada pelo piccolo, que surge com toda a energia, “pé ante pé”, explorando o mundo até dar lugar a uma melodia de carácter dançante no modo Lídio dominante. O mesmo motivo inicial serve de transição ao Verão da vida: a puberdade e o início da idade adulta, onde tudo parece eterno. Este divertido andamento com swing é interpretado numa flauta em Dó, um pouco maior e ágil. Novamente uma transição com o motivo inicial da Primavera dá origem ao Outono da vida: a idade de ouro, desde meados da idade adulta decaindo gradualmente até à velhice. Nesta fase da vida a pessoa sente-se completa, vendo os seus descendentes estabelecendo a sua vida. A maturidade é transmitida neste andamento com uma valsa no som profundo da Flauta Alto. O Outono da vida é interrompido abruptamente e uma cadência transporta-nos de volta ao ponto de partida desta obra, o Inverno da vida, que se impõe após toda a experiência vivida para se poder encarar o último suspiro com maior naturalidade. Com o propósito de simbolizar o interminável “Ciclo da vida”, não incluí nesta peça uma barra dupla indicando o final pois considero não haver fim, uma vez que o milagre da vida está sempre a acontecer, o que leva a uma repetição constante e incessante de todo o processo.
Nota: O andamento do Inverno pode ser interpretado em flauta baixo ou contrabaixo. Quanto ao andamento da Primavera poderá igualmente ser executado em flauta em Dó, uma oitava acima.